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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Rio Pedra








               Eu sentei e chorei. Conta a lenda que tudo que cai nas águas deste rio, as folhas, os insetos, as penas das aves se transforma nas pedras do seu leito. Ah, quem dera eu pudesse arrancar o coração do meu peito e atirá-lo na correnteza, e então não haveria mais dor, nem saudade, nem lembranças.
               Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei. O frio do inverno fez com que eu sentisse as lágrimas no rosto, e elas se misturaram com as águas geladas que correm diante de mim. Em algum lugar este rio se junta com outro, depois com outro, até que distante dos meus olhos e do meu coração todas estas águas se confundem com o mar.
               Que as minhas lágrimas corram assim para bem longe, para que meu amor nunca saiba que um dia chorei por ele. Que minhas lágrimas corram para bem longe, e então eu esquecerei o Rio Piedra, o mosteiro, a igreja nos Pireneus, a bruma, os caminhos que percorremos juntos.
                Eu esquecerei as estradas, as montanhas e os campos de meus sonhos, sonhos que eram meus e que eu não conhecia.
                Eu me  lembro do meu instante mágico, daquele momento em que um "sim"ou um "não"pode mudar toda a nossa existência. Parece ter acontecido há tanto tempo, e no entanto, faz apenas uma semana que reencontrei meu amado e o perdi.
                Nas margens do Rio Piedra escrevi esta história. As mãos ficaram geladas, as pernas entorpecidas pela posição, e eu precisava parar a todo instante.
                Procure viver. Lembrar é para os mais velhos.
                Talvez o amor nos  faça envelhecer antes da hora, e nos torne jovens quando a juventude passa. Mas como não recordar aqueles momentos. Por isso escrevia, para transformar a tristeza em saudade, a solidão em lembranças. Para que, quando acabasse de contar a mim mesma está história, eu a pudesse jogar no Piedra assim me dissera a mulher que me acolheu. As águas poderiam apagar o que o fogo escreveu.
 Paulo Coelho